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Agricultura Vertical no Brasil: A Revolução na produção de alimentos

Atualizado: há 7 horas

Por: Stefano Sebastian Cardoso dos Santos

Fonte: Pink Farms
Fonte: Pink Farms

Em um galpão na região da Vila Leopoldina, em São Paulo, não são tratores ou colheitadeiras que dominam a paisagem, mas sim torres de cultivo iluminadas por luzes LED de tom rosado. Neste ambiente controlado, onde a temperatura, umidade e iluminação são reguladas com precisão, cresce o que pode ser considerado o futuro da agricultura brasileira: a maior fazenda vertical da América Latina.


Enquanto o Brasil se consolida como potência agrícola mundial com seus vastos campos de soja, milho e cana-de-açúcar, uma revolução silenciosa acontece nos centros urbanos. A agricultura vertical - método de cultivo em camadas sobrepostas em ambientes fechados - está ganhando espaço no país, impulsionada por avanços tecnológicos, preocupações ambientais e a necessidade de produzir alimentos mais próximos aos consumidores.


De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), a população mundial deve atingir 10 bilhões de pessoas até 2050, exigindo um aumento de 70% na produção de alimentos. Ao mesmo tempo, a cobertura florestal mundial perdeu 3,7 milhões de hectares em 2023 — o equivalente à destruição de dez campos de futebol por minuto. Neste cenário desafiador, a agricultura vertical surge como uma alternativa promissora para complementar a produção tradicional.


O Cenário Global da Agricultura Vertical


O mercado global de agricultura vertical está em franca expansão. Estimado em US$ 14,23 bilhões em 2024, projeta-se que alcance US$ 23,23 bilhões até 2029, com uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 10,30%. Outras projeções são ainda mais otimistas, indicando um crescimento de US$ 5,6 bilhões em 2022 para US$ 35 bilhões em 2032.


Este crescimento é impulsionado por inovações tecnológicas que estão transformando o setor. A automação agora cuida de tarefas como plantio, irrigação e colheita, reduzindo custos de mão de obra e erros humanos. A inteligência artificial (IA) otimiza o crescimento das culturas analisando dados de luz, temperatura e umidade. Sistemas com tecnologia de IA preveem as necessidades das plantas, garantindo o máximo rendimento com o mínimo de desperdício.


A iluminação LED também revolucionou a forma de cultivo. Estas luzes imitam a luz solar e permitem que as plantas cresçam mais rápido, consumindo menos energia. A combinação específica de luz azul e vermelha estimula a fotossíntese de forma mais eficiente que a luz natural.


No entanto, nem tudo são flores no cenário internacional. Empresas pioneiras como AppHarvest, AeroFarms, Kalera e Bowery enfrentaram dificuldades significativas nos últimos anos. A AppHarvest viu suas ações desvalorizarem quase 100% após um IPO inicialmente promissor, enquanto a AeroFarms solicitou recuperação judicial após grandes investimentos em sua infraestrutura.


Esses insucessos parecem ser resultado do choque entre sonhos ambiciosos e a dura realidade operacional. As promessas de escalabilidade se esbarraram em margens operacionais estreitas e custos exorbitantes, como a iluminação artificial de alta intensidade e a escassez de mão de obra qualificada.


Casos de Sucesso Nacionais


Apesar dos desafios enfrentados internacionalmente, o Brasil tem desenvolvido casos de sucesso notáveis na agricultura vertical. A Pink Farms, fundada em 2015 pelos engenheiros Geraldo Maia, Mateus Delalibera e Rafael Delalibera, é hoje a maior fazenda vertical urbana da América Latina.

"No início, começou de forma mais despretensiosa. A gente tomou conhecimento sobre esse tipo de produção, em ambiente controlado, vendo vídeo na internet, de produção exterior", conta Rafael Delalibera. O que começou como um hobby transformou-se em um empreendimento revolucionário.


Localizada na Vila Leopoldina, em São Paulo, a Pink Farms utiliza um sistema de iluminação LED que combina luz azul e vermelha para estimular a fotossíntese. "Com o controle total das condições de cultivo, o desperdício é minimizado, e o impacto ambiental é significativamente reduzido", explica Geraldo Maia.


Os números impressionam: a fazenda utiliza 95% menos água, 60% menos fertilizantes e não usa agrotóxicos quando comparada à agricultura tradicional. Sua produtividade é 170 vezes maior por metro quadrado de chão. Atualmente, a Pink Farms cultiva hortaliças, cinco tipos de alfaces e dez tipos de microverdes, com planos de expandir para 80 tipos de plantas até o final de 2024.

"Para o mesmo quilo produzido a gente precisa de 400 vezes menos área, precisa de 95% a menos de água, 60% menos fertilizantes. Nós não usamos defensivos, os agrotóxicos", destaca Geraldo. A colheita ocorre até 24 horas antes da entrega, garantindo frescor aos produtos que são fornecidos para 24 pontos de venda, incluindo supermercados, hortifrútis e empórios.


Outro caso de destaque é a 100% Livre, localizada no bairro do Ipiranga, em São Paulo. Fundada por Diego Gomes, a empresa produz 25 toneladas de alface e temperos por mês em torres de cultivo que chegam a 14 metros de altura.

"A gente consegue fazer em um ambiente de 300 metros de produção, o que no campo precisaria de mais de 15 mil metros, um litro de água por cabeça de alface, no campo a gente precisa de 40 litros por pé de alface", explica Diego. A empresa mantém uma parceria com a Embrapa desde 2021 e comercializa seus produtos por meio de assinaturas digitais.


O Brasil também conta com outras iniciativas promissoras, como a Be Green, que produz 28 vezes mais que o modelo tradicional rural e possui oito fazendas implantadas em shoppings e empresas em cinco estados; a Fazenda Cubo, situada no bairro de Pinheiros, que produz 35 variedades de folhosas e ervas; a Bioma, especializada em microverdes; a Farm Box em Jundiaí, focada em cogumelos indoor; e a Mighty Greens no Rio de Janeiro, primeira empresa a produzir em ambiente controlado da América do Sul.

Além disso, iniciativas comunitárias em grandes favelas como Paraisópolis e Heliópolis em São Paulo demonstram que a agricultura vertical pode ser adaptada a diferentes contextos socioeconômicos.


Vantagens Adaptadas à Realidade Brasileira


A agricultura vertical oferece vantagens particulares no contexto brasileiro. Em um país onde eventos climáticos extremos têm se tornado mais frequentes, a independência das condições externas representa um diferencial significativo.

"Independente se existe tempestade lá fora, se está chovendo, se está nublado. Pessoas que nesse momento de preços mais altos não conseguem comprar. Eles vão ter sempre acesso a esse alimento", afirma Geraldo Maia da Pink Farms.


A proximidade com os consumidores em grandes centros urbanos também é um fator crucial. Em um país continental como o Brasil, onde o transporte de alimentos pode percorrer milhares de quilômetros, a produção local reduz custos logísticos, emissões de carbono e perdas no trajeto.

"No futuro a gente imagina que toda a cidade vai ter a sua própria produção, que consegue trazer esse fator de frescor e de qualidade", projeta Rafael Delalibera.


A redução no uso de agrotóxicos é outra vantagem significativa, especialmente considerando que o Brasil é um dos maiores consumidores mundiais destes produtos. A agricultura vertical permite um cultivo livre de pesticidas, atendendo à crescente demanda por alimentos mais saudáveis e sustentáveis.


Para pequenos empreendedores e startups brasileiras, o setor representa uma oportunidade de inovação em um mercado ainda em desenvolvimento. A possibilidade de iniciar operações em escala menor, como em containers ou pequenos galpões, permite a entrada de novos players com investimentos mais modestos.


Desafios e Obstáculos para o Crescimento no Brasil


Apesar do potencial, a agricultura vertical no Brasil enfrenta desafios consideráveis. O custo inicial de implementação e o acesso a capital são os principais entraves, especialmente em um país onde as taxas de juros são historicamente altas.

"As instalações exigem sistemas de controle climático, iluminação artificial e tecnologias de irrigação sofisticadas, o que demanda investimentos significativos", explica Leonardo Wedderhoff Herrmann, coordenador do curso de Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia da Universidade Positivo (UP).


O custo da energia elétrica no Brasil, um dos mais altos do mundo, também representa um desafio para a viabilidade econômica das fazendas verticais, que dependem intensamente de iluminação artificial e sistemas de climatização.

A necessidade de mão de obra especializada é outro obstáculo. Segundo estudos do setor, metade dos operadores de fazendas verticais em 2022 não tinha experiência agrícola, o que pode levar a erros operacionais e desperdício de capital.


A adaptação de tecnologias importadas à realidade local também requer investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Soluções que funcionam em países com climas temperados podem precisar de ajustes significativos para o ambiente tropical brasileiro.


Por fim, a competição com a agricultura tradicional, extremamente forte e consolidada no Brasil, representa um desafio de mercado. O país é um dos maiores produtores agrícolas do mundo, com uma cadeia produtiva eficiente e custos competitivos em muitas culturas.


Perspectivas para o Futuro


Apesar dos desafios, as perspectivas para a agricultura vertical no Brasil são promissoras. O setor deve crescer significativamente, impulsionado pela crescente demanda por alimentos locais, frescos e sustentáveis nos centros urbanos.

A integração com outras tecnologias, como energia solar para reduzir custos operacionais e inteligência artificial para otimizar a produção, deve tornar o modelo mais viável economicamente. O agrivoltaico, que integra superfícies solares à estrutura dos edifícios, é uma tendência que pode beneficiar particularmente o Brasil, país com alto potencial de geração solar.


É importante ressaltar que a agricultura vertical não pretende substituir a agricultura tradicional brasileira, mas complementá-la. Enquanto os campos continuarão a produzir commodities e alimentos básicos em larga escala, as fazendas verticais se concentrarão em produtos de maior valor agregado, como hortaliças, ervas e microverdes.

O impacto na segurança alimentar pode ser significativo, especialmente em regiões metropolitanas. A produção local e constante, independente de sazonalidades, pode ajudar a estabilizar preços e garantir o acesso a alimentos frescos durante todo o ano.


No cenário internacional, o Brasil tem potencial para se tornar não apenas um usuário, mas também um exportador de tecnologia e conhecimento em agricultura vertical adaptada a climas tropicais. A experiência acumulada por empresas como Pink Farms e 100% Livre pode ser valiosa para outros países em desenvolvimento com desafios similares.


Conclusão


A agricultura vertical representa uma nova fronteira para o setor agrícola brasileiro, tradicionalmente associado a vastas extensões de terra. Em 2025, o Brasil estará mais firmemente posicionado nesta revolução verde urbana, com fazendas verticais estabelecidas nos principais centros urbanos e tecnologias cada vez mais adaptadas à realidade local.


O equilíbrio entre inovação tecnológica e tradição agrícola será fundamental para o sucesso deste modelo no país. A agricultura vertical não vem para substituir o agronegócio tradicional brasileiro, mas para complementá-lo, oferecendo soluções para desafios específicos como a produção urbana, a redução do uso de recursos naturais e a aproximação entre produtores e consumidores.


Como afirma o engenheiro agrônomo Sérgio Marcus Barbosa, gerente executivo da ESALQTec, "com a especulação imobiliária, com as cidades avançando, cinturões verdes cada vez estão ficando mais distantes e acaba de alguma forma inviabilizando o cultivo próximo ao centro urbano". A agricultura vertical surge como resposta a este e outros desafios contemporâneos.


O futuro da alimentação no Brasil será moldado por esta combinação de abordagens: campos produtivos no interior e fazendas verticais nas cidades, cada qual contribuindo com suas fortalezas para um sistema alimentar mais resiliente, sustentável e eficiente. A revolução verde urbana está apenas começando, e o Brasil tem todas as condições para ser um de seus protagonistas globais.




 
 
 

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